quinta-feira, junho 22, 2006

O ESPERANTE

O ESPERANTE
Israel Belo de Azevedo

Desta vez, subi mais rápido, que eu já conhecia o caminho, já tinha o mapa dos cuidados, já sabia como evitar os curiosos, pois que desta vez tinha que ir sozinho também, mas tinha a preocupação de como seria recebido, já que eu tinha rachado as tábuas que recebera antes, porque não agüentei ver minha ausência ser transformada em oportunidade para aquele espetáculo: tudo menos um bezerro de ouro, que me encheu de uma ira santa, mas será que seria julgado do modo como julguei, ou minha "ira santa" seria apenas ira; confesso que, enquanto o ar me ia faltando, à medida que ia subindo, o medo foi se acumulando nas minhas veias, não seria este o primeiro encontro, mas cada encontro era como se fosse o primeiro, desde aquele quando a sarça me chamou para dentro do seu projeto de tirar meu povo da poeira do chicote, projeto que se realizou, mas nada se comparou àquele período que passei com ele durante 40 dias no alto da montanha de sua preferência, quando aprendi tudo o que sei, quando descobri que ele é exigente e amoroso ao mesmo tempo, quando vi que seus projetos se realizam mesmo que demorem, quando entendi porque quer a minha cooperação no trabalho que tem para realizar, mas agora estou com medo: ele me chamou de novo, com as mesmas instruções de santidade porque -- isso eu sabia -- queria me apresentar sua verdade; é por isto que subi tremendo, e, à medida que ia me aproximando do ponto de encontro, a luz foi se avolumando, que tive que fechar os olhos muitas vezes, o silêncio foi crescendo, que eu ouvia a mim mesmo, como se o firmamento fosse ficando mais baixo; então não pude caminhar mais, eu era Abraão chegando ao lugar do sacrifício mas não havia cordeiro, eu era Eliezer encontrando o poço de Rebeca para Isaque, eu era Jacó alcançando o topo da escada do sonho sem poder descer, eu estava de novo diante das águas do marelho prontas para prorromper; eu me afundei por segundos numa longa espera, sabedor que eu ouviria a voz outra vez, para me afundar de vez ali, decepado no hoPlocausto do meu pecado, ou para me fazer flutuar na onda macia do suave calor de sua presença, que foi o que aconteceu quando ele me chamou:
-- Sobe mais perto: eu estava esperando por você.

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