sexta-feira, outubro 10, 2008

NÃO HÁ SAÚDE SEM SAÚDE MENTAL

Reproduzo trechos do artigo "NÃO HÁ SAÚDE SEM SAÚDE MENTAL", de Jair de Jesus Mari, publicado na Folha de S. Paulo (10/10/2008):
. "Adoecer faz parte da condição humana. Quando alguém adoece, é natural que receba afeto, simpatia e compreensão para superar o problema. Mas o mesmo não acontece quando essa pessoa adoece por um transtorno mental. A doença, nesse caso, pode ser interpretada como sinal de fraqueza, de autoflagelo, de covardia. Adoecer psiquicamente não é prerrogativa da modernidade. É tão humano quanto nascer ou morrer. O transtorno mental não escolhe nem cor de pele nem classe social. Quantos reis e rainhas fazem parte dessa lista? Quantos artistas consagrados que conseguiram realizar grandes obras apesar de seus tormentos? Que sofrimentos não experimentaram Van Gogh, Virginia Woolf e Vladimir Maiakóvski?"
. "A estimativa é que 25% da nossa população adulta irá exigir algum tipo de cuidado de saúde mental no espaço de um ano. (...) Os transtornos mentais são responsáveis por 18% da sobrecarga global das doenças no país, mas contam com 2,5% do orçamento da saúde".
. "Que todo desvalido e marginalizado tenha seus direitos contemplados. Que todo sujeito com problema, independentemente de cor, classe e diagnóstico, tenha direito à liberdade, ao respeito e à dignidade que façam dele um semelhante, apenas diferente".

Meu desejo, difícil desejo, é que as igrejas continuem sendo lugares onde os diferentes sejam tratados como semelhantes. Reconheço que não é fácil tê-los conosco, em nossos cultos, em nossas classes, em nossos passeios, em nossos ministérios. Reconheço também que das organizações sociais as igrejas são as que melhor os tratam. No entanto, espero mais: que possamos contribuir para a sua saúde.

Por outro lado, penso que a religião é um refúgio saudável para os doentes mentais e, ao mesmo tempo, um obstáculo para sua cura. Eles, e junto com eles os líderes, nem sempre têm a percepção que doença mental é doença e quem tem uma doença precisa de tratamento profissional, digno e humanizante. Tudo começa com o reconhecimento da doença.

Os que têm a responsabilidade de pastorear devem saber que talvez um quarto de sua membresia sofre algum tipo de transtorno mental.

Aprendi sobre isto assim. Numa oração, fiz menção à depressão. Não sei o que eu disse, mas deve ter sido algo muito infeliz, porque um psiquiatra da igreja me procurou e disse:

-- Israel, depressão é uma doença.

Então, fui estudar o assusnto. O resultado foi uma série de sermões, que virou um livro (DIANTE DA DEPRESSÃO. Niterói: Impetus, 2004).

Nossa responsabilidade, como pregadores, é maior que imaginamos.

E isso alcança aquele que está assentado ao lado de alguém que é semelhante, embora seja diferente, por causa de sua enfermidade emocional.

segunda-feira, agosto 04, 2008

CARTA ERRADA

Em janeiro, começam a vigorar as mudanças na ortografia, em que idéia será idéia e alguém será ninguem.
Até aí tudo bem. Eu me acostumo.
O problema será como escrever. Eu escrevo num editor de texto chamado Carta Certa. Conheço inúmeros editores, inclusive o imperial Word. Só uso o Word em último caso.
Uso o Carta Certa porque, para mim, é o melhor. Não tenho resistência ao novo, tanto que aderei ao Windows Vista, sem problema, e uso Linux em outra máquina, também sem problema.
Acontece que o Carta Certa, que ajudei a desenvolver testando versões beta, não é mais fabricado. A DTS não resistiu.
Vou comprar um Houaiss eletrônico. Posso usar um Word novo.
O que fazer com o Carta Certa, que automatiza a minha escrita, acentuando automaticamente e corrigindo minhas grafias?
Já pensou eu ter que wordizar todos os meus textos? Impossível.
O drama não é pequeno, senhores.

domingo, maio 04, 2008

CARTA ABERTA AO JOGADOR RONALDO

CARTA ABERTA AO JOGADOR RONALDO

Caro Ronaldo Luís Nazário de Lima:
Começo por lhe pedir desculpas por me dirigir a você publicamente, mas, anônimo admirador do seu extraordinário talento, não tenho como chegar a você. Resta-me este recurso, na expectativa que você me leia.

Escrevo-lhe por amizade, porque há amizades anônimas, sempre sinceras porque incorrespondidas por definição, uma vez que o alvo da amizade sequer conhece esse seu amigo e admirador. Há amizades conhecidas sinceras e, como você deve saber mais que eu, há amizades conhecidas oportunistas. Não sei se você viu a entrevista do Denilson, em que ele disse que tinha um monte de amigos, mas, depois que sua carreira enfrentou dificuldades, não sobraram dez. E eu acho que ele foi otimista. Também não sei se assistiu à entrevista do Jardel, em que ele fala do mal que lhe fizeram algumas de suas "amizades" (e as aspas são por minha conta e risco).

Escrevo-lhe, então, repito, por amizade. Acompanho -- e que brasileiro não o acompanha? -- sua carreira, que é um fenômeno mundial. Estive na China há alguns poucos anos e o pessoal lá não sabia pronunciar o nome do Brasil, mas o seu (com L no lugar do R, é verdade), todos sabiam. E quando pronunciavam seu nome, suas pernas se moviam como se quisessem imitar você. Quantos grandes jogadores não têm surgido e ainda vão surgir inspirados na sua habilidade com a bola.

Vivemos num mundo, Ronaldo, bastante estranho. Você é cercado, eu também o sou, pela idéia que cada um de nós tem o direito de ser feliz, o que, acho, está correto. O problema é que, junto vem outra idéia: vale tudo na conquista desta felicidade, confundida apenas com prazer. Ser feliz, então, é se sentir bem, e se alguma coisa não vai bem, podemos fazer o que for possível, para que as coisas estejam bem. Não há limites: o prazer é o limite. Você não acha estranha esta idéia, se o nosso próprio corpo tem limites? Por que não haveria de ter limite o prazer? Acontece que, embalados por essa ideologia, vamos estendendo este limite, até sermos parados por algum acontecimento dramático. Precisamos compreender que a felicidade inclui o prazer, mas não se restringe a ela.

Vivemos num mundo estranho mesmo, que nos diz que precisamos ter sucesso sempre, que temos que bater sempre as metas, que precisamos acumular mais, seja dinheiro, poder ou honra. Não dá para termos sucesso sempre. Sucesso é competição e, em toda a competição, há vitoriosos, no que você é magnífico, e há perdedores. Logo, não há como haver apenas quem vence. Precisamos resistir a essa ideologia do sucesso que, se nos faz vencedores, também nos derrota, quando não conseguimos alcançar padrões que nos impõem. Quando alcançamos muito sucesso, mesmo que com muito esforço, como é o seu caso, Ronaldo, e ele se ameaçado, somos cobrados, cobramo-nos a nós mesmos, e nosso equilíbrio fica manco.

Vivemos num mundo, e nisso não há novidade (o mundo sempre foi assim desde que o mundo é mundo), que não suporta o fato de o sofrimento é uma realidade que pode acometer a todos. Toda vez que eu ou você experimentamos a dor, seja ela física ou emocional, certamente nos perguntamos: por que? por que comigo? Cada um de nós, e eu me incluo nesse grupo de tolos, tende a achar que é especial, no sentido de que coisas ruins não nos podem acontecer. Essa é uma tentativa de prolongar aquele tempo gostoso, totalmente protegido, que passávamos nos ventres que se abriram para nos dar à luz. Viver, mesmo que fora desta automática proteção, também é muito bom, e isso inclui receber sol e chuva, caminhar na luz e na sombra, rodar por avenidas e por becos, correr ou manquejar, voar ou e se arrastar.

Vivemos num mundo, e nisto também não há novidade, em que os bons heróis são os transgressores, que não vivem segundo as regras dos outros, mas as suas próprias. Concorda comigo que isto não passa de uma bobagem? Sempre sigamos regras. Mesmo quando achamos que estamos sendo autênticos, estamos seguindo alguém. Não somos tão criativos assim. Quando decido que vou transgredir, só mudo de lado, mas sigo um lado. Há um ideário, primeiramente entre artistas e agora entre esportistas, segundo o qual as pessoas devem ser julgadas por suas obras, não por suas vidas. Só que isto não é verdade, nem para a obra nem para a vida, porque, quando uma vida é destruída a obra acaba. Quantos gols (e não é o gol que importa?) deixaram de ser marcados por noites não dormidas? Quantas copas foram perdidas porque alguns jogadores transgrediram as regras postas para o bem comum? Tenho ouvido muitos elogios à transgressão pela transgressão. Fiquei chocado quando o colunista José Geraldo Couto, na Folha de São Paulo (COUTO, José Geraldo. Jesus, amor etc. Disponível em , escreveu que prefere o exemplo do jogador Adriano, por exemplo, do que o de Kaká para a juventude. Segundo esta lógica, quem se destrói, ao ponto de perder o título de "imperador", é um exemplo; quem mantém se mantém no topo mas é careta não é exemplo. Aí, botafoguense (ninguém é perfeito!), eu me lembrei do inultrapassado Garrincha, com sua carreira abreviada por suas próprias transgressões e pelas transgressões dos outros (e eu me refiro às infiltrações no joelho). Ele, e tantos outros, foram vítimas dramáticas deste ideário, que é bom só para quem os promove, nunca para quem os vive. Esse ideário tritura quem os vive, para diversão de quem os promove. Quantos anos nos roubaram da genialidade do camisa 7 do Botafogo? E eu ainda queria ver Cazuza ou Renato Russo compondo novas canções e não ter que ficar fruindo as velhas. Quem ganhou com o caminho que lhes abreviou a vida e a obra? Vivemos, portanto, num mundo em que muitos rejeitam a idéia de que o certo é o certo e o errado é o errado. No entanto, um sinal vermelho não é um sinal verde; duzentos quilômetros por hora não são cento e vinte. Esperar o sinal se abrir não é notícia, mas não produz morte. Respeitar os limites de velocidade pode não ser uma aventura, mas reduz o número de vidas e carreiras encurtadas.

E, aqui, parece que vou me contradizer, mas vou dizer que todos nós fomos criados para a felicidade. E fomos também criados com o fantástico dom da liberdade. Nossa liberdade bagunçou nossa felicidade. Ser feliz é ser livre. E Deus nos deu um conjunto de regras, não para Ele ser feliz mas para que nós fôssemos felizes. Confundimos as bolas e começamos a jogar com bolas fora das regras em campos com gramas ruins. O resultado você conhece.
Nós somos imperfeitos. E aqui vou falar coisas que você também certamente já ouviu e vou me servir das minhas observações e da leitura da Bíblia, que você deve ter em casa, porque deve ter ganho várias. Minha imperfeição é muito antigo. Eu me lembro que sou imperfeito desde quando, bem novinho, por prazer de transgedir cortei escondido dos meus pais o cabelo de minha irmã ou quando a irritava dizendo que meu bife era maior que o dela. Eu me lembro que sou imperfeito desde quando, durante o intervalo da aula, punha o pézinho para que meu colega tropeçasse para que muitos ríssemos. Como eu fui capaz de fazer isto! Mas eu fiz uma bobagem desta e muitas outras até hoje.
Como aprendemos na Bíblia, nos demos e damos as costas para Deus, achando que sabemos o que é melhor para nós. No fundo, achamos que nos conhecemos melhor que o nosso criador. No fundo, achamos que Ele está muito distante para ver as oportunidades que temos. No fundo, achamos que somos especialistas em viver. De costas para Deus, como um atacante olhando para o gol da sua própria equipe, pomos todos os nossos esforços no lado errado do campo.
De costas para Deus, não aceitamos ser contrariados por pessoas ou por situações. Então, guerreamos. Queremos o que achamos que é nosso, mesmo que não seja. Então, mentimos, trapaceamos, enganamos, fingimos, manipulamos, roubamos, matamos, usamos o dinheiro para comprar o que não é comprável. Amamos o outro se for bom para nós. Esta é a história do mundo em que vivemos e que nós construímos, embora achemos que sejam os outros que o fazem.
Vou usar a palavra, horrorizada, abominada, interdita: nós somos pecadores. A notícia não é boa, mas é melhor uma notícia, mesmo que ruim, do que notícia nenhuma. A notícia não é boa mas nos ajuda a entender porque as coisas são como são.
Lá no fundo os homens sabem que são pecadores e alguns até gostam de o ser, até é claro, esse pecado fizer deles suas próprias vítimas.
Lá no fundo também os homens acham que podem se livrar dos seus pecados. Sempre achamos -- o que é muito bom -- que podemos nos superar. Muitos esforços são feitos. Um deles é aprender que ninguém precisa se preocupar por ser pecador; pode haver pecado, mas não há culpa, pensam alguns. São as circunstâncias ou a condição humana, argumentam outros.
Eu falo por mim: eu não consigo me livrar dos meus pecados. Consegui um pequeno avanço: sei que embora o pecado pareça bom, ele não é bom. Gosto de chocolate, mas preciso moderar no seu consumo, mesmo não sendo atleta. Há muitas coisas interessantes para eu fazer e que não são pecado. O que me fascina mais é aquilo que não devo. É por isto que não consigo me livrar dos meus pecados, porque a primeira coisa que faço é dizer a mim mesmo que o pecado não é pecado. É como se eu gostasse de ser enganado por mim mesmo ou pelos outros.
Eu sei de tudo isto, mas não consigo não pecar. E isto é duro. É como se minha natureza pendesse para o lado do pecado e levasse para a sua prática. Não é para ficar desesperado, Ronaldo?
Então, volto à Bíblia e leio que Deus, que me criou, continua me amando, apesar de eu lhe dar as costas. Só Deus pode amar assim. A gente ama quem não gosta da gente, mas depois desiste e cai em outros braços... Deus persiste. Cito-lhe um trecho de um entrevista do Bono, do U2. Disse ele: "É espantosa a idéia que o Deus que criou o universo procura por companhia. Meu entendimento da Bíblia é simplificado pela pessoa de Cristo. Cristo ensina que Deus é amor. E o que isto significa? Isto me leva ao estudo da vida de Cristo. (...) Sei o que Deus é. Deus é amor e o melhor que eu faço é me deixar ser transformado por este amor e agir neste amor. Esta é a minha religião. Quando as coisas se complicam para mim, trato logo de viver este amor, mas sei que não é fácil". (Bono: Grace over Karma. Disponível em )
Retorno à Bíblia e leio a história da crucificação de Jesus, uma história difícil de ser engolida. Como alguém pode me amar assim ao ponto de entregar o seu próprio filho para morrer em meu lugar, de modo que eu pudesse olhar Deus de frente outra vez! Sim, eu lhe dei as costas, mas Ele se manteve diante de mim. O pecado nos separava, mas Ele derrubou o abismo que nos separava.
A história da crucificação de Jesus Cristo há tantos séculos é a história do amor de Deus para comigo e eu posso universalizar este amor, para alcançar você também, mas falo da minha experiência. Por amor, Deus quer atacantes jogando para a meta que deve vencer. E o que Ele quer em troca? Apenas nossa amizade. Deus tem fome de nossa amizade, assim como devemos ter fome de sua amizade. Seu colo está aquecido para nos receber, mesmo quando escapamos por aí.
Quando reconheço que sou pecador e admito que não posso me livrar por mim mesmo do meu pecado, Deus fica livre para mostrar na prática o seu amor para comigo e me livrar do meu pecado, para que eu possa ser feliz. Quando peço perdão pelo meu pecado, sobretudo o pecado primeiro de dar as costas para Deus, eu sou perdoado. O peso da culpa -- que existe e é real, mesmo que muitos digam o contrário -- é tirado de minhas costas. Se a existência do pecado é uma péssima notícia, a possibilidade do perdão tira toda a sua força. Não há felicidade fora do amor de Deus para conosco. E Deus busca a nossa companhia, como disse o Bono.
Quero, Ronaldo, que você seja feliz, porque é o que Deus quer para você.
Quero que você aceite que é amado por Deus apesar dos seus pecados. É assim que a Bíblia diz que devemos nos sentir. É assim que me sinto, apesar de pecador: amado.
Quero que você deseje ser guiado por Deus, não por seus instintos (e como eles são fortes em você e em mim!), não por seus desejos (e como eles são poderosos em você e em mim!), não pela ideologia do prazer ou do sucesso (como ela é sedutora para você e para mim!)
Quero, se eu voltar à China, ver pessoas que admiram o seu futebol. Quero continuar apreciando o seu futebol por bons anos ainda, mesmo que não seja no Botafogo.
Quero que você continue sendo um exemplo de vida e de futebol para tantas pessoas no Brasil e no mundo. Precisamos de bons exemplos.
Ouso dizer que Deus quer o mesmo para você e que está com os abraços abertos para receber você e caminhar com você numa nova arrancada, rumo aos gols. No entanto, se os limites do corpo não puderem ser vencidos, o amor dEle para com você continuará o mesmo, porque Deus não se deixa contaminar pela doença da ideologia do sucesso. Ele também gosta de futebol, mas ama sobretudo o atleta, como quem deseja estabelecer um relacionamento de amigos.
Com admiração,
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
www.prazerdapalavra.com.br

quarta-feira, abril 23, 2008

KARL BARTH, AO SE APOSENTAR

Ao se aposentar em 1963, Karl Barth recordou seu conselho oferecido aos jovens teólogos 40 anos antes:

"Pegue sua Bíblia e pegue seu jornal. Leia os dois, mas interprete os jornais a partir da Bíblia.

No mesmo dia, conversando com estudantes, acrescentou:

"Eu sempre oro pelos doentes, pelos pobres, pelos jornalistas, pelas autoridades do Estado e pela igreja -- nesta ordem.

As pérolas estão na revista Time, de 31 de maio de 1963.

Para conferir, acesse a revista Time.

sexta-feira, abril 11, 2008

BEBÊS PARA SEREM QUEIMADOS

Carlos Heitor Cony (Folha de S. Paulo, de 11.4.2008, ilustrada -- disponível para assinantes) resenha o livro "Babies for Burning" (Londres: Serpentine Press), em que Michel Litchfield e Susan Kentish entrevistam um médico de uma clínica de abortos na Inglaterra.
Em um dos trechos, o médico diz:

"Fazemos muitos abortos tardios, somos especialistas nisso. Faço abortos que outros médicos não fazem. Fetos de sete meses. A lei [inglesa] estipula que o aborto pode ser feito quando o feto tem até 28 semanas. É o limite legal. Se a mãe está pronta para correr o risco, eu estou pronto para fazer a curetagem. Muitos dos bebês que tiro já estão totalmente formados e vivem um pouco antes de serem mortos.
Houve uma manhã em que havia quatro deles, um ao lado do outro, chorando como desesperados. Era uma pena jogá-los no incinerador porque tinham muita gordura que poderia ser comercializada. Se tivessem sido colocadas numa incubadeira poderiam sobreviver, mas isso aqui não é berçário.
Não sou uma pessoa cruel, mas realista. Sou pago para livrar uma mulher de um bebê indesejado e não estaria desempenhando meu oficio se deixasse um bebê viver. E eles vivem, apesar disso, meia hora depois da curetagem. Tenho tido problemas com as enfermeiras, algumas desmaiam nos primeiros dias."

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terça-feira, março 18, 2008

PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO

Venho recebendo perguntas sobre a legitimidade moral, na perspectiva cristã, das pesquisas com o uso de células-tronco.
Uma delas é esta:

"Olá, pastor Israel, eu vi seu blog e sua pesquisa acerca da questão das células-tronco embrionárias e gostaria de saber sua opinião. Utilizá-las seria interromper a vida ou não?
Para mim, este assunto ainda possui um aspecto singular: sou graduando do quarto período (tenho 20 anos de idade) de Biomedicina e sou támbem um cristão; trabalho atualmente em um laboratório de pesquisas com células-tronco adultas. Com a liberação do projeto, estaria fortemente inclinado a trabalhar com as células-tronco embrionárias.
Pela Bíblia, eu poderia ser considerado um assassino? e minha salvação estaria em prejuízo? pois a Bíblia diz que os assassinos não herdarão o Reino dos Céus".

Eu respondi:

"Tenho recebido perguntas neste sentido e continuo estudando o assunto.
Nao temos como derivar da Biblia uma orientação segura (no sentido de não questionavel), uma vez que o assunto nao é tratado expressamente por ela.
Precisamos derivar princípios, mas, até neste caso, precisamos definir: o que é um ser humano? Que há vida num embrião, há, mas esta, penso, não é a pergunta, que deve ser: o que é um ser humano? Talvez você, por sua formação em formação, possa responder a esta pergunta melhor que eu? Se um embrião já é um ser humano, deve ser preservado; se AINDA não é, pode ser usado para, eventualmente, salvar (ou melhorar a qualidade de) vida. Para mim, esta preliminar define o resto."

Repito: continuo estudando o assunto.

sábado, março 01, 2008

COMEÇOU O SEGUNDO TEMPO DA VIDA DO PASTOR XAVIER

Reproduzo aqui o texto publicado no Jornal Batista, de 2.3.2008. Este contém alguns acréscimos, no segundo parágrafo.

COMEÇOU O SEGUNDO TEMPO DA VIDA DO PASTOR XAVIER

ISRAEL BELO DE AZEVEDO

Depois de dezoito meses em que, junto com sua família e com o apoio de sua igreja e de comunidade de amigos, lutou contra o câncer no peritônio ("membrana que recobre as paredes do abdome e a superfície dos órgãos digestivos"), descansou o pastor Manoel XAVIER dos Santos Filho, há quase 17 anos na liderança da Igreja Batista Memorial da Tijuca, na cidade de do Rio de Janeiro. Ele tinha 52 anos e deixa a esposa, Clenir, com quem se casou em Curitiba, e os filhos Felipe, Luana e Fábio.
Xavier se converteu aos 17 anos de idade, tendo sido batizado pelo pastor Hélcio da Silva Lessa, na Igreja Batista Itacuruçá. Nesta igreja foi chamado para o Ministério Pastoral e recomendado ao Seminário Teológico do Sul do Brasil. Como parte de sua formação, atuou como seminarista na Igreja Batista de Cordovil (Rio de Janeiro, RJ). Depois de formado, serviu pioneiramente junto à população que construiu a hidrelétrica de Itaipu. Em seguida, foi, por quatro anos, pastor de jovens na Primeira Igreja Batista de Curitiba, pastoreada então por Marcílio Gomes Teixeira. Nesta mesma cidade, assumiu o pastorado da Igreja Batista do Bacacheri, onde conheceu Clenir, com quem se casou em 31 de maio de 1986. Após sua pós-graduação na Inglaterra (Spurgeon's College) e no País de Gales (Cardiff University), foi eleito para para a Memorial da Tijuca, onde, a partir de 31 de março de 1991, construiu uma igreja e um templo, erguido sobre o anterior à Rua Conde de Bonfim, 789 (Tijuca, Rio de Janeiro, RJ).

SUAS IGREJAS
Sobre cada uma das igrejas, pelas quais passou como seminarista e pastor, deixou um testemunho.
Sobre a Igreja Batista Itacuruçá, escreveu: "Foi a igreja onde se deu a minha conversão, através do clube bíblico que ali funcionava; a minha chamada para o Ministério que é a base da minha formação como crente em Jesus, isto devido a uma sólida e inesquecível Escola Bíblica Dominical. Preguei naquela igreja o meu primeiro sermão, e aqueles irmãos, acostumados a ouvirem o Pr. Hélcio Lessa, um grande expositor da Palavra de Deus, me ouviam atentamente e balançavam a sua cabeça me apoiando, ou talvez, tentando não dormir. (... ) Esta igreja suportou as minhas instabilidades, meus altos e baixos. Reconheceu a minha chamada para o Ministério, deu-me oportunidades para pregar nos cultos ao ar livre nas praças e para ajudar no trabalho dos presídios e ainda me ajudou financeiramente no curso no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. O Pastor Hélcio Lessa foi o meu pastor durante todos aqueles anos. (...) Aprendi ali que a igreja é um dos instrumentos de Deus para a conversão e a firmeza doutrinária, além de fonte das vocações.
Sobre a Igreja Batista de Cordovil, testemunhou: "Fiquei ali os dois últimos anos do Seminário. Uma igreja sólida doutrinariamente, pastoreada à época, pelo Pastor Jonas Lisboa. Uma igreja composta de gente simples, cujas casas estavam sempre abertas para receber. Fiz as minhas refeições dominicais, enquanto seminarista, nas casas de vários irmãos. (...) Muitos domingos almocei na casa do Pastor Jonas e de sua família. Com ele aprendi muito. As coisas práticas que não se aprende no seminário. Ele também é um excelente expositor da Palavra de Deus e um homem muito ciente de suas funções pastorais. (...) Aprendi ali a lidar com as diferenças, a viver um cristianismo mais simples, a ser mais humilde e compromissado com o Senhor. Aprendi ali que a igreja é um lugar de descoberta e desenvolvimento dos dons espirituais".
Sobre a Primeira Igreja Batista de Curitiba, anotou: "Ali foi a minha pós-graduação no pastorado. Aprendi na prática muitas coisas com o Pastor Marcilio e com os membros da PIB que me acolheram como filho. Na verdade fui verdadeiramente “adotado” pelo casal Sofonias e Janety, que substituíram os meus pais no meu casamento. A igreja é verdadeiramente uma família. Sempre experimentei isto por onde passei. Ali aprendi a importância do mentoreamento, quando esta prática nem existia. O pastor Marcilio pacientemente sentava comigo e me orientava em muitas áreas do ministério e a esposa dele, a irmã Helena, era a minha conselheira sentimental, uma vez que eu era um pastor solteiro. (...) Aprendi ali o valor do discipulado contínuo como compartilhamento de vida.
Sobre a Igreja Batista do Bacacheri, registrou: "Uma igreja muito querida. Quantas experiências eu tive ali. (...) A igreja do Bacacheri foi também muito paciente e amorosa comigo. Até hoje, passados tantos anos, ainda temos ali muitos amigos que deixamos. Gente que chegava junto.
Sobre a Igreja Batista Memorial da Tijuca, desabafou: "É a igreja da minha maturidade ministerial. Tenho aprendido muito nesta igreja. A igreja onde fiquei mais tempo como pastor até aqui. (...) Tem sido também uma igreja especial, porque tem sido a igreja com a qual tenho crescido através do sofrimento. A Memorial é uma igreja que tem sabido não apenas se alegrar comigo, mas também chorar. E como já choramos juntos. E como temos crescido juntos. Uma igreja que tem sido paciente comigo, me acolhido nas minhas enfermidades, sabido esperar o tempo de Deus com relação à minha saúde. Igreja que tem acolhido a minha família e nos oferecido todo o tipo de apoio que se pode imaginar, em especial, nestes últimos tempos. Às vezes não sei se sou eu que os pastoreio ou se são eles que me pastoreiam. Penso que são as duas coisas.

ENFERMIDADE
Em 2006, foi-lhe diagnosticado um câncer, que acabaria por levá-lo. Nesse período submeteu-se a algumas cirurgias. Em janeiro de 2007, pregou um dos sermões da Assembléia da Convenção Batista Brasileira em Florianópolis.
Em julho ele explicou, mesmo desejoso de tirar o foco da sua pessoa, a sua condição: "A minha situação atual é a seguinte: os tumores que ainda estão no abdômen são de um tipo raro, cujo tratamento é cirúrgico. O cirurgião que me operou entendeu que não deveria tentar tirar todas as lesões, especialmente da parte posterior, pois poderia colocar em risco a minha vida".
Surgiu a possibilidade de uma viagem aos Estados Unidos para a consulta a outro especialista. Contudo, "Após verificar os meus exames o cirurgião americano concluiu que eu não tinha o perfil para aquele tipo de tratamento, considerando que o câncer está avançado e poderia colocar em risco a minha vida. Ou seja, enquanto não surgir outro tratamento ou Deus não me curar, continuarei a viver muito bem, como disse Paulo, na completa dependência da graça de Deus".
A partir do dia 13 de setembro de 2007, informado pelos médicos que nada mais poderia ser feito para sua recuperação, reuniu sua família, sua igreja e seus amigos para se despedir. O prognóstico é que seu passamento se daria em poucos dias, por inanição. E ele decidiu ir para casa. No dia 15, reuniu os pastores no hospital e à noite promoveu um inesquecível culto de despedida em sua igreja, culto que o pastor Xavier considerou "maravilhoso", já que "pudemos contemplar a glória do Senhor dando-nos uma pequenina amostra de como será no céu, quando O veremos face a face".

CORRESPONDÊNCIA DE VIDA
Estive com ele no hospital. Com sua autorização, gravei suas falas. Estive várias outras vezes com ele. Que privilégio o meu. Ele me abencou na vida. Ele me abençoou na morte. Estive com ele no hospital no dia 16 de janeiro, quando ele falou longamente sobre oração (e eu não vou jamais esquecer). Estive em sua casa na sua última terça-feira entre nós, ele já muito fraco, dizendo-me um lânguido "oi, Belo", com um sorriso discreto. Poderia dizer muito sobre sua humildade, sobre sua fé, sobre sua esperança, mas ele falará melhor do que eu. Selecionei alguns de seus parágrafos, escritos neste tempo. Ainda bem que, que não era de escrever, escreveu. (Quem quiser pode ler a íntegra no sitio da igreja: www.ibmt.org.br. Sobre outras anotações sobre sua enfermidade, acesse meu blog em www.prazerdapalavra.com.br).
No dia 16 de setembro, depois de ter recebido o diagnóstico de que não havia mais o que ser feito, escreveu, despedindo-se: "Se nada de novo acontecer, esta será a minha última pastoral para vocês. Quero que saibam que eu os amo profundamente e me sinto realizado de poder ter trabalhado com vocês ao longo desses tempos. Deus tem sido fiel para comigo em todas as coisas, mui especialmente, permitindo que eu pudesse me despedir de vocês, e aproveitar para encorajá-los a continuarem firmes no Senhor, sempre abundantes na Sua obra, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor. Acabei de conversar mais uma vez com toda a minha família, há alguns minutos atrás. Que privilégio. Pude dar a todos a última orientação que estava no meu coração. Estou em perfeita paz, pronto para encontrar o meu Salvador, a quem tive o maior privilégio de servir. Saibam que estarei aguardando cada um de vocês lá. Mas, não tenham pressa. A vida aqui é muito preciosa também".
No dia seguinte, reafirmou, no seu elevado senso de humor: "Não se assustem. Esta pastoral não é do além. (... )Eu a escrevi às 21 h de domingo. Sei que posso acordar curado, mas se isto não acontecer, acredito que talvez já possa estar com o Senhor, pois começo a me sentir fraco. Caso esteja aqui ainda, durante os próximos dias..., de qualquer forma, esta é a minha última palavra a vocês". Em seguida, acrescentou: "Quando nós morremos, em Cristo, temos a oportunidade de nos encontrarmos pessoalmente com Ele para um relacionamento ainda mais pessoal. Foi isto que Deus fez com João através do Apocalipse. Mostrou a ele, em meio ao seu sofrimento todas as coisas que ele iria experimentar. Vou experimentar todas aquelas bênçãos. E espero encontrar cada um de vocês lá..."
Neste processo, Felipe, um de seus filhos, contraiu uma inexplicável enfermidade e teve que ser hospitalizado. A reação de Xavier foi escrever uma CARTA DA ALEGRIA, na qual dizia, entre outras coisas:
. "Meu grande amigo, pastor Marcilio, ao nos visitar ontem, disse que, ao entrar num hospital, leu em uma placa: “O IMPORTANTE NÃO É COMPREENDER E SIM CONFIAR”.No meu coração eu disse. É isto mesmo. É isto que estamos vivendo. (...) O caminho é o mesmo: CONFIAR. Confiar em Deus".
. "Deus tem nos falado que a verdadeira guerra espiritual, se é que estamos usando o termo corretamente, não se dá no terreno da demonstração do poder de Deus, pois Satanás sabe mais do que nós, o que Deus pode fazer. Ele pode me curar. Ele pode curar o Filipe. Ele pode abrir o mar vermelho. Ele pode ressuscitar os mortos. Ele pode fazer o que quiser, quando quiser, da forma que quiser, onde quiser. Ele é o GRANDE EU SOU!!!!"
. "Não queremos compreender. Ele nos dirá quando quiser, se quiser, da maneira que quiser. Ele não nos deve explicação. Ele é Deus. Ele é Senhor. Ele É. O que Ele vai fazer eu não sei. Mas independente de qualquer coisa vamos nos alegrar nEle, vamos celebrar o nome dEle, vamos amá-lo, vamos continuar a evangelizar, vamos continuar a investir em Missões, vamos continuar a servi-lo enquanto vida houver".
. "Fiquem tranqüilos!!! Não estou delirando. O meu coração está exultante. Nem eu consigo entender".

Felipe ficou completamente bom e nos meses seguintes pregou regularmente em sua congregação e em outras igrejas. Quando não podia pregar, escrevia. Comentando um sermão do pastor John Piper, sobre sua experiência pessoal com o câncer, Xavier concluiu: "Não vivemos para nós mesmos. Até mesmo a cura, não deve ser apenas para nosso benefício, mas para a glória de Deus, de modo que o nome dEle seja honrado, e que em sendo curado, minha vida possa ser ainda mais usada para a glória dEle. Jesus nos deixa este exemplo. Sua vida, sua morte, sua ressurreição tiveram o propósito de cumprir a vontade do Pai, dar a Ele toda a glória e nos salvar. Ele é o nosso modelo. Penso que foi isto que estava atrás daquela expressão tão maravilhosa, proferida pelo pastor Mauro Israel [Moreira]: “Se Deus me curar, vocês verão a glória de Deus, mas se Ele não o fizer, eu verei a glória de Deus”. Que o seu coração esteja cheio de gratidão a Deus, e que você não desperdice o momento que vive, quer esteja com saúde, doente".
No mês de janeiro de 2008, a fraqueza o levou ao hospital algumas vezes, mas, entre uma crise e outra, trabalhava, pregando ou escrevendo mensagens para sua igreja.
No dia 17 de Janeiro de 2008, no hospital, escreveu a sua CARTA DA ESPERANÇA, em que afirmava sua confiança na cura. Ela começava assim: "Não posso negar que em meio às dores e ao sofrimento, algumas vezes já desanimei e desejei que desistissem de mim, mas logo entendo que este processo de obediência e submissão em meio às lágrimas, que são muitas, e ao sofrimento que acaba passando, faz parte do processo do trabalho amoroso de Deus em mim e no meio do seu povo".
A conclusão era um convite: "Precisamos mudar nossa postura e nos aprofundarmos no conhecimento da Palavra de Deus e de suas promessas. Deus nos chama para um tempo de esperança, de fé nas suas promessas. Vamos desengavetar o que está engavetado e assumir uma postura de crente com C maiúsculo e resgatar um dos textos mais importantes que temos negligenciado, o qual se encontra tanto no Velho, quanto no Novo Testamento: `O justo viverá pela fé' (Rm 1.16, Hc 2.4)"
O texto seguinte, duas semanas depois (1.2.2008), que chamou CARTA DA MISERICÓRDIA, a última.
"Quando o apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas, ele ficou impressionado sobre quão facilmente eles estavam sucumbindo à tentação da auto-justiça, ou seja, pensarem que Deus lhes devia algo por serem ou fazerem alguma coisa por ELE, de modo a que Deus ficasse lhes devendo algo.
Ontem foi uma tarde e noite muito difíceis para mim e quase caí nesta armadilha sutil e perigosa. Sofri muito com dores inenarráveis, pois o alimento não conseguia passar e tive alguns episódios de vômito. Naquelas horas senti Deus tão distante, e comecei a experimentar um tipo de autocomiseração. Fiquei me lembrando de tantas palavras boas que tenho ouvido sobre minha vida, meu ministério, pessoas me lembrando de quão importante fui a determinado momento da vida delas, de ações como pastor, de como tenho servido de exemplo em meio a este sofrimento, a maneira como tenho me portado, etc...
Enquanto sofria, me via quase que cobrando de Deus o alívio para aquele sofrimento ou a cura imediata, afinal ele curou tanta gente que nada fizera por ele e ali estava eu, seu servo, com uma boa folha de serviço, sofrendo. Não era justo. Ele tinha que fazer alguma coisa.
Durante a noite, já sem a dor, comecei a orar e Deus parecia tão distante. Não sei se pude entender exatamente as palavras de Jesus na cruz: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste”..., mas passou perto!!! Parecia que eu falava para as paredes. Lembrei-me do diálogo de Deus com Jó, quando diante da grandeza e da majestade de Deus, Jó decide simplesmente botar a mão sobre a boca e não falar mais nada.
Decidi tomar a mesma decisão, que é muito sábia. Porém, mais do que me mostrar quem Ele é, Deus começou a mostrar quem eu era, e aí comecei a cair na real. Vi-me sentindo ciúmes de tantos colegas que estão com suas igrejas em retiro, estão voltando das férias para reiniciar os seus ministérios, ou estão começando um novo ministério cheio de planos e idéias. E ali estava eu numa cama, impotente, cheio de autocomiseração, auto justiça, achando que era mesmo um exemplo, aceitando todas aquelas boas palavras sobre mim, quando na verdade eu tenho medos, dúvidas, questionamentos, pouca fé, ansiedade.
Até para escrever esta carta tenho medo de passar uma imagem de humildade que não existe. Foi quando me lembrei, e que boa lembrança, “que Deus provou o seu amor para comigo sendo eu ainda um PECADOR”. Onde a vida cristã começa e continua. Deus decidiu me amar e continuar a me amar, a despeito de mim mesmo. Eu não sou mesmo exemplo de nada, mas um servo inútil, e por favor não desmintam a Bíblia, e saibam que isto se aplica a todos nós, mesmo aqueles que querem pensar diferente. Deus não reparte a glória dEle com ninguém. Se tenho conseguido “segurar” as pontas, é porque a graça e a misericórdia dEle se manifestam na minha fraqueza, em toda a plenitude da minha fraqueza, física, espiritual, moral, etc.
O apóstolo Paulo tem uma dimensão desta graça que me deixa sempre envergonhado. Sempre reconheceu que era o principal dos pecadores. E que tudo o que fazia e tinha, era somente devido à graça de Jesus.
Sou grato a Deus pelo sofrimento e por esta tarde e noite que me tem feito enxergar isso, e que têm me ajudado a me abandonar aos cuidados dEle. Foi difícil rasgar a minha folha de serviços prestados. Mas acredito que consegui fazê-lo. Agora não tenho nada para me apresentar diante dEle, a não ser tão somente os méritos de Seu Filho Jesus, por isso tenho dado a esta carta o título de Carta da Misericórdia".

EPÍLOGO
Na noite do dia 21 de fevereiro, ele passou muito mal e foi transferido para o hospital na manha seguinte. Horas depois, às 16h30min, sua luta terminou. Seu corpo ficou guardado no cemitério São João Batista, em Botafogo (Rio de Janeiro, RJ).
Ao culto de gratidão compareceram centenas de pessoas, além dos milhares que o acompanharam ao vivo pela internet. Aos dois pastores que pregaram, Valdo Fonseca e Israel Belo de Azevedo, escolhidos por eles no dia 15 de setembro de 2007, determinou que não falassem dele mas que proclamassem Jesus Cristo, seu Senhor e Mestre, com quem agora está de braços dados.
Escrevi dois sonetos assimétricos neste contexto, um na manhã no dia 23 de fevereiro, em homenagem à sua esposa Clenir. Eu o li no culto. O outro, em homenagem a ele, escrito em outro momento, li-o no cemitério, já que estava impedido de falar sobre no culto. Vão a seguir transcritos:

CLENIR
Choramos um gigante que tombou
deixando raízes de imensa largura,
graças à esposa que na vida encontrou:
Clenir, que sempre esteve à sua altura,

Clenir, que Xavier conheceu ainda mais na dor
e nós vimos entre os dois forescendo a ternura
de um casal que verdadeiramente se amou,
formando da Graça uma linda iluminura.

Agora, muitas graças damos pelo grande Xavier,
para quem a Trindade, e só ela, agora sorri
e ele, diante de tanta glória, derrama-se em prazer.

Muitas graças damos pela grande Clenir,
porque sem esta giganta não haveria Xavier,
certos de que sem Xavier não haveria Clenir.

XAVIER
Do meu irmão Xavier também me despedirei
agora que seu corpo foi pela morte calado;
por sua vida ao Deus que é bom celebrarei
embora não possa ver seu rosto de sorrisos timbrado.

O que nesta hora de silêncios direi,
senão que seu ritual de espera foi um brado,
não de revolta, porque sempre o guardarei
como ato de um coração ao Pai consagrado?

A mim, mesmo com o que aprendi, perguntarei
se conservarei a mesma convicção ardente
de ser amado pelo Pai tão verdadeiramente.

Agora no meu coração eu lhe escreverei
esta lápide como meu próprio mote:
"Xavier, vida que soube ser exemplo na morte".

ISRAEL BELO DE AZEVEDO
Pastor da Igreja Batista Itacuruçá e diretor do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasi, ex-professor do seminarista Xavier e ex-mentoreado pelo pastor Xavier.

sábado, fevereiro 23, 2008

XAVIER: UMA DESPEDIDA (23.2.2008)

Em setembro de 2007, depois de voltar do hospital a que nos chamou para se despedir, escrevi um soneto, que nunca publiquei. Faço agora, apenas com uma alteração atualizadora.

XAVIER: UMA DESPEDIDA (23.2.2008)

Do meu irmão Xavier também me despedirei
agora que seu corpo foi pela morte calado
por sua vida ao Deus que é bom celebrarei
embora não possa ver seu rosto de sorrisos timbrado.

O que nesta hora de silêncios direi,
senão que seu ritual de espera foi um brado,
não de revolta, porque sempre o guardarei
como ato de um coracao ao Pai todo consagrado?

A mim, mesmo com o que aprendi, ainda perguntarei
se conservarei a mesma convicção ardente
de ser amado pelo Pai tão verdadeiramente.

Agora no meu coração eu lhe escreverei
esta lápide como meu próprio mote:
"Xavier vida que soube ser exemplo na morte.
É assim como ele que quero preparado me ver".

Não publiquei porque, como todos os seus amigos, mesmo contra esperança, tinha esperança.
Na época escrevi, explicando-me a não publicação.

Seu epitafio ainda não escreverei:
vá que a Trindade se mostre palhaça
e adie o encontro como uma travessura da graça.

Eu estava certo em não publicar. A Trindade, travessa, adiou sua chegada aos páramos celestes por cinco meses. Bem que queríamos mais.

CLENIR

No culto de gratidão a Deus pela vida do Xavier, li o soneto que agora transcrevo.

CLENIR

Choramos um gigante que tombou
deixando raízes de imensa largura,
graças à esposa que na vida encontrou:
Clenir, que sempre esteve à sua altura,

Clenir, que Xavier conheceu ainda mais na dor
e nós vimos entre os dois forescendo a ternura
de um casal que verdadeiramente se amou,
formando da Graça uma linda iluminura.

Muitas graças damos pelo grande Xavier,
para quem a Trindade, e só ela, agora sorri
e ele, diante de tanta glória, derrama-se em prazer.

Muitas graças damos pela grande Clenir,
porque sem esta giganta não haveria Xavier,
certos de que sem Xavier não haveria Clenir.

(23.2.2008)

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

XAVIER, 22.2.2008

Terminou.
Em lágrimas, escrevo.
Acaba (por volta das 18h30min do dia 22.2.2008) de entrar na sua casa final (para onde vou também) o meu amigo Xavier.
Liguei para Clenir, sua esposa, mas ela não atendeu. Daqui a pouco, ela me retornou. Eu chorava e ela se mostrava firme, dizendo que tinha acabado a luta.
Foi intensa a luta e terminou na vitória da morte. Não temos como ver a morte senão como derrota, porque ela nos separada. Nunca mais verei o meu amigo (sim, ele era meu amigo desde quando convivemos na Igreja Batista Itacuruçá e depois, ele como meu aluno, no Seminário). Nunca mais ele me aconselhará (sim, ele era meu conselheiro). Nunca mais escutarei seus sermões, bem-humorados e muito profundos.
Para mim, uma derrota. Para ele, uma vitória.
Ele foi digno do Evangelho na vida e digno do Evangelho na morte. Mesmo alcançado pela desgraça do câncer, não deixou de achar que Deus é bom.
Para ele, uma vitória, porque agora (com corpo novo, sem tumor, com corpo eterno, jamais corruptível), já ouviu a inolvidável frase: "entra no gozo do teu Senhor". Frase dita pessoalmente pelo próprio Senhor. Tinha razão o incrível Paulo: "nem a morte nos separa do amor de Cristo".

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Xavier, 16.1.2008

Depois de algum tempo, apenas me (tele)informando, estive pela manhã, no dia 16.1.2008, com o Xavier, no hospital da Ordem Terceira, na Tijuca, Rio de Janeiro.
Na véspera, tinha vindo transferido de outro hospital, para onde fora, depois de ter voltado para casa após a cirurgia a que se submeteu para introduzir um cateter, cujo objetivo é lhe dar mais qualidade de vida. (A história que antecedeu a introdução do cateter é uma prova de como a graça de Deus é, mas eu preciso deixar que o próprio Xavier a conte.)
Ele estava assentado, aspirado por uma sonda nasogástrica, cuja introdução é muito, muito dolorosa. (E a sonda saiu quando eu estava com ele). Apenas me piscou e depois, com algum mal-estar, conversou. Quis ir embora, que a visita precisa ser curta, mas não fui. Ele tinha o que me dizer e eu tinha o que ouvir.
A conversa ficou gravada, não como aquela no hospital, no dia 15 de setembro do ano passado. É que naquele dia, como era sua despedida de nós (como todos achávamos), pedi licença e gravei (áudio e vídeo) alguns momentos, que tiveram depoimentos, cânticos e orações. Quatro meses depois re(ou)vi as cenas do hospital. As de agora ficaram gravadas só na memória.
Xavier está mais magro. Ele não come. Já esteve mais amarelo, mas sua cor está quase como a de antes. Quando cheguei, a voz estava fraca, mas foi se alçando até ficar cristalina, embora sem força. Força tem essa garanta de ouro quando seu usuário decide pregar e é o que tem feito, com a voz se levantando e os joelhos (dos outros) se quebrantando. Nesse tempo todo vem pregando, em sua igreja e em outras, não para atrair a piedade (se está cansado, não vai), mas porque tem muito o que dizer e quer muito dizer. (Acidália Tymchak me disse hoje que espera que tudo esteja sendo gravado, para que a riqueza da experiência não se perca. Também espero. Guardo alguns minutos comigo). Tem compromissos, aos quais irá se tiver vida e força.
Quando se lembra, ali comigo, que estas são as primeiras férias que não pode passear e brincar com os filhos, as lágrimas lhe lembram sua condição. Quando falo de Clenir, que está no corredor para que eu possa estar ali fora do horário de visitas, lágrimas e sorrisos se incambiam, tamanha é a ternura diante de tamanha força com afeto.
É tudo manifestação da graça de Deus, que pode curar o Xavier, o que todos queremos. Ele nunca deixou de pedir por sua cura e nunca deixou de crer na soberania de Deus, que não é uma caixa fechada, como crêem alguns, mas trilhos, que percorremos juntos. E, então, não sei quem fala agora (lá, foi ele), o ex-aluno ou o ex-professor, porque nossos pensamentos se encontram: meu colega nadando na profundidade, eu na superfície; meu amigo conduzindo o tema e eu assentindo com os olhos, para não perder nem sequer o silêncio; meu mentor derramando seu coração sobre o meu, minhas mãos sobre os seus pés.
Nós não temos tempo para os amigos. Convidamos um ao outro para pregar em nossa igreja, mas sequer ligamos para agradecer ou dizer que foi muito bom. E nos justificamos dizendo que nossas agendas estão cheias, mas quem as preenche? (Digo eu: há uns dois anos um pastor-amigo me convidou para jantarmos, as famílias, na casa dele; ainda não respondi, por falta de tempo; há vários meses, um casal da igreja me convidou para jantarmos, as famílias, na casa dele, mas ainda não encontrei uma noite. E só fui ver o Xavier no meio da manhã porque o desejo foi, ainda bem, mais forte. Os compromissos esperassem.)
Nós não sabemos o que é depender de Deus. No fundo confiamos mesmo em nossos músculos. Quando temos um inimigo, em lugar de orar, procuramos um advogado e usamos as mesmas armas do inimigo, que é mais astuto e mais desonesto e ganha da gente. Só podemos vencer pela oração, mas nós preferimos usar a razão. (À noite, li na igreja o salmo 5.3: "De manhã ouves, Senhor, o meu clamor; de manhã te apresento a minha oração e fico esperando". Podemos até orar, mas o verbo "esperar", que é o centro da dependência diante de Deus, este não conjugamos.)
Nós vivemos num dos extremos. Como não queremos o pólo da oração positiva, própria da ideologia da prosperidade, também não oramos crendo que a oração do justo pode muito em seus efeitos. Quando está alguém enfermos, chamamos os líderes da igreja para orar? O povo crê mais na oração que seus pastores. Quando uma igreja tem um problema, o que deve fazer? Orar. E nós oramos? Até oramos, mas primeiros reunimos os engenheiros ou os advogados. E pomos Deus dentro do poder dos profissionais, não os profissionais dentro do poder de Deus. Então, não ficamos sabendo quem é Deus. Não entramos com ousadia diante do trono da Sua graça. E, conseqüentemente, não recebemos.
Nós vivemos vidas ralas.
Eu, saudável, fui visitar um enfermo. Como o poder se aperfeiçoa na fraqueza, saí fortalecido, desafiado a orar mais a Deus e a depender mais de Deus.
Obrigado, Xavier.